A obesidade começa na cabeça
Para o médico argentino Máximo Ravenna, o excesso de peso é fruto de uma compulsão gerada por certos alimentos e estimulada pelo ambiente onde vivemos
por Diogo Sponchiato
Há 23 anos, o clínico-geral e
psicoterapeuta Máximo Ravenna começou a formular um método de
emagrecimento capaz de superar os resultados insatisfatórios que, até
então, observava em boa parte dos pacientes acima do peso. Ao reunir sua
própria experiência a evidências científicas, ele criou um sistema que
combina trabalho psicológico, eleição de alguns grupos alimentares e
atividade física com o objetivo de mudar o comportamento do obeso e
ajudá-lo a se livrar de vez (e, diga-se, depressa) de 20, 30... 60
quilos. O método, batizado com o seu sobrenome, já foi adotado por cerca
de 50 mil indivíduos mundo afora — quase 5 mil no Brasil, onde o
especialista mantém duas clínicas, uma em São Paulo e outra em Salvador.
Aproveitamos o lançamento de seu primeiro livro no país, A Teia de
Aranha Alimentar (Editora Guarda-Chuva), para conversar com o médico
sobre o avanço da obesidade, o vício por comida e as medidas para
contê-lo.
SAÚDE - O senhor usa a metáfora da
teia de aranha para explicar como alguns alimentos nos tornam presas
deles e nos fazem engordar. Essa teia sempre existiu?
MÁXIMO RAVENNA - Não, ela é um fenômeno
que
começou a aparecer nos últimos 40 anos, com o modelo americano de
globalização alimentar, marcado por uma sobreoferta de comida e o acesso
fácil a ela. Os Estados Unidos foram o primeiro país obeso da história —
isso já na década de 1960. Com o tempo, esse problema se estendeu por
outras nações, especialmente entre grupos que já tinham maior
predisposição genética para engordar. Hoje, a obesidade afeta 25% das
pessoas no globo, e o sobrepeso, 40%. E vê-se que, com o aumento da
longevidade, também cresce o risco de ficar acima do peso.
Como o mundo conspira para engordarmos?
O
padrão de alimentação mudou e o sedentarismo avançou. As pessoas passam
horas confinadas em ambientes fechados e sofrem cada vez mais com o
estresse. Isso cria uma demanda por alimentos apetitosos e faz
desenvolver uma necessidade de buscar algo de que não precisamos de fato
para sobreviver. Assim como o ser humano incorporou o tabaco e o álcool
no dia a dia, que são totalmente dispensáveis para o funcionamento do
seu corpo, ele passou a recorrer aos doces, aos biscoitos, às massas...
Nem sempre quer comer, mas acaba fazendo isso de modo automático e
distraído. E há quem enxergue na comida uma forma solitária e prazerosa
de fazer um stop na rotina. A grande questão é que essa gente prioriza
itens que mexem com a bioquímica cerebral.
E quais são esses alimentos? Como eles interferem em nosso cérebro?
Estou
falando daqueles feitos de farinha refinada, açúcar e gordura saturada,
dos produtos processados e industrializados. Seus ingredientes não têm
muito valor nutricional e ainda são capazes de alterar, na massa
cinzenta, os níveis de neurotransmissores como dopamina e serotonina,
relacionados à sensação de prazer e bemestar. É por isso que o seu
consumo gera dependência. Os sistemas cerebrais afetados por eles são os
mesmos estimulados por drogas como anfetaminas e até a cocaína. Aliada
aos apelos das propagandas e das embalagens, a receita desses alimentos
instiga exageros e compulsões.
O senhor condena os carboidratos?
Devemos
evitar os carboidratos refinados, aqueles de massa branca, e dar
preferência aos integrais, ricos em fibras e que, assim, agregam valor
àquilo que comemos.
O que leva alguém a se viciar por comida?
Há
estudos mostrando que os indivíduos engordam por causa do ritmo de
trabalho, da perda da vaidade ou porque trocam o vício do cigarro pelo
da comida. Quase sempre há falta de reflexão e autoconhecimento. Assim, a
ansiedade e o estresse não fazem necessariamente que você se vicie em
um alimento, mas passe a usálo para descarregar a tensão. As pessoas se
apegam a ele sem saber o que se passa dentro delas, quase que por
distração. Daí, se procuram ajuda médica e o tratamento não dá tanto
resultado, se frustram a ponto de descontar no prato e comer mais e
mais. O mesmo raciocínio se aplica a quem faz uso de remédios para
emagrecer. Se o paciente não aprende a se cuidar, isto é, dominar sua
tendência a abusar, ficará mais uma vez acima do peso.
Até que ponto a personalidade ajuda a ditar o impulso por comer?
Há
pessoas que têm maior dificuldade para encontrar seus limites. Elas
precisam aprender a diferenciar a necessidade de matar a fome do comer
por mero impulso. Essa atitude é facilitada pelo fato de que hoje os
alimentos calóricos estão sempre à mão e associados a encontros e
reuniões agradáveis, sem falar no seu poder hedônico sobre o paladar.
Além disso, temos que considerar que existem casos de distúrbios
psíquicos, como os transtornos obsessivos e a própria depressão, cujos
portadores sofrem ainda mais para se controlar. Quem está deprimido, por
exemplo, busca em alimentos a alegria que lhe falta em outros momentos
da vida.
No livro, o senhor diferencia o vício por comer e o vício por comida.
Sim,
o primeiro é comportamental. O indivíduo não consegue ficar muito tempo
sem comer, independentemente do que está à sua frente. Ele tem que se
sentir mastigando, botando algo para dentro. O segundo se refere a algo
específico, como o chocolate. O alimento-gatilho varia de pessoa para
pessoa, dos gostos particulares, de como o corpo responde àquelas
substâncias. Há ingredientes, como o açúcar, que funcionam como drogas e
disparam uma sensação de válvula de escape.
Como seu método combate a compulsão?
Trabalhamos
com o conceito de adição, ou vício, e com a mania de excesso. O
problema não está no prazer despertado pelo alimento, mas no alimento em
si e no efeito dele sobre o corpo. O método propõe a exclusão de alguns
itens, como os carboidratos simples, porque eles incitam a vontade de
comer. Estabelecemos essa noção de corte, a de medida ou quantidade das
refeições e a da distância que se deve manter dos alimentos- gatilhos. A
dieta tem de ser mais rígida e com poucas calorias, priorizando tudo o
que gera maior saciedade. Somam-se a isso a prática de atividade física
orientada e o trabalho psicoterapêutico. E, claro, depois do
emagrecimento, temos de zelar pela manutenção do peso e do novo
comportamento.
E essa estratégia funciona mesmo em gente muito gorda?
Os
melhores resultados proporcionados pelas mudanças no estilo de vida e
pelo acompanhamento clínico são vistos em pessoas extremamente obesas,
que perdem 40, 50 quilos. Elas se curam inclusive de problemas como o
diabete e a pressão alta.
Qual a sua opinião sobre os remédios para emagrecer e as cirurgias bariátricas?
Acredito
que devemos dar uma oportunidade de o obeso mudar seus hábitos para
emagrecer antes de receitar drogas ou mandá- lo à sala de cirurgia. Hoje
há uma valorização excessiva dos medicamentos, o que não deixa de ser
um reflexo da impotência dos médicos. O especialista deveria cuidar da
cabeça do paciente, com uma atitude firme. Se ele o vê como um
pobrezinho, sem ação, está condenando-o à sua doença.
Qual a grande dificuldade para um médico que lida com a obesidade? E a do paciente?
Para
o médico, é lidar com as frustrações, perceber que o indivíduo não crê
totalmente na sua capacidade de mudar. E, para o paciente, não é nada
fácil manter o bom humor diante das restrições nem aderir 100% ao
tratamento. O que nós, médicos, temos de fazer é convencê-lo de que a
vida não pode se resumir a uma busca constante pelo emagrecimento. A
saída definitiva para não ter de arcar com essa preocupação é mudar seu
comportamento e seus hábitos.
Os pilares do emagrecimento, segundo Ravenna
• Cortar radicalmente carboidratos simples
• Porções reduzidas de alimentos, sempre selecionando itens que aumentam a saciedade
• Evitar situações que disparem a compulsão. E, claro, isso varia de indivíduo para indivíduo
• Atividade física orientada
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